Uma rede de pais em quem confiar
Construir uma comunidade em que o cuidado com os filhos é compartilhado pode ser um apoio fundamental para as famílias. Mas, para isso, é preciso confiar nos outros e abrir mão do controle excessivo.
Foto de Henri Cartier-Bresson, 1951.
Se me perguntassem sobre o ponto mais baixo da minha vida como mãe, eu poderia indicar um dia exato. Foi no início de março de 2021. O Reino Unido estava há alguns meses em seu terceiro e mais longo lockdown por causa da COVID. Eu estava morando no país há mais de um ano, mas, tendo chegado apenas alguns meses antes do surto, ainda me sentia uma estranha na cidade. As minhas filhas tinham 2 e 3 anos, e a mais nova estava passando por uma fase de gritos. Eu estava sobrecarregada, deprimida e desesperadamente sozinha. Algo precisava mudar. «Misturar os lares» era, na época, estritamente proibido. Mas, escondida nas diretrizes do lockdown, havia uma cláusula que permitia aos pais formar bolhas com uma outra família para cuidar das crianças. Por isso enviei uma mensagem para um grupo de WhatsApp de pais da região no qual haviam me adicionado, perguntando se alguém tinha interesse em formar uma bolha. Um casal respondeu a minha proposta — e por acaso moravam na esquina. Assim como nós, eles haviam se mudado recentemente dos Estados Unidos e não tinham família ou amigos para oferecer-lhes apoio. E, como nós, tinham duas filhas pequenas. Após uma breve chamada de vídeo, decidimos nos revezar cuidando dos filhos uns dos outros por algumas horas por semana.
Foi, em retrospecto, uma forma ousada de organizar cuidados infantis. Não os conhecíamos bem, nem havíamos conversado sobre o que as meninas fariam ou comeriam enquanto estivessem na casa deles. Com certeza, nenhuma das duas famílias esperava que a outra preparasse atividades especiais, apenas que cuidasse das meninas por algumas horas.
Não pensei que esse pacto do desespero fosse durar além da pandemia. Mas eu estava enganada. Continuamos com a nossa «troca de filhos», como passamos a chamar, por quase três anos. Na verdade, ela cresceu: agora quatro famílias estão envolvidas. Duas noites por semana, uma família cuida de todas as crianças por três horas, dando aos outros pais uma noite de folga. Mesmo fora desses arranjos formais, tornou-se bastante comum cuidarmos dos filhos uns dos outros conforme necessário, em sextas-feiras pontuais ou pernoites aleatórios. Alguns meses atrás, enquanto eu mexia um panelão de macarrão com queijo para seis crianças entre dois e sete anos que corriam ao meu redor, percebi que, quase por acaso, eu havia construído algo parecido com o proverbial «vilarejo» de que os pais modernos tanto sentem falta.
Com o tempo, concluí que o sucesso dessa estrutura descontraída não é coincidência; nosso «vilarejo» prospera não apesar das expectativas risivelmente baixas que temos uns com os outros, mas por causa delas. E isso, por sua vez, esclareceu algo inesperado para mim: a abordagem superprotetora e «intensiva» da criação de filhos, que passou a dominar de forma constante a vida familiar americana e, em certa medida, britânica, é simplesmente incompatível com a construção de um vilarejo.
Você pode querer controlar minuciosamente todos os aspectos da educação dos filhos: comer ou não açúcar, impor um limite de tempo diante das telas, pedir desculpas por ter tirado o brinquedo de outra criança — ou pode ter uma comunidade confiável que ajude a cuidar deles. Mas não pode ter as duas coisas.
Desenvolver a confiança
O termo «criação intensiva» pode fazer pensar em pais obcecados por resultados, que martelam o alfabeto na cabeça de filhos de dois anos ou impõem aulas de violino aos de quatro. Neste caso, uso o termo num sentido mais amplo, para resumir a tendência de muitos pais modernos de atribuir uma importância desmedida a qualquer decisão. Reflete uma visão fortemente determinista da educação das crianças, que deixa aos pais pouco espaço para o erro. E hoje em dia, ela se manifesta em várias formas. Alguns pais são neuróticos quanto a validar as emoções dos filhos ou proteger sua individualidade; outros se fixam em maximizar o potencial profissional deles. Mesmo aqueles que rejeitam uma criação excessivamente focada em desempenho podem se tornar intensos em não pressionar seus filhos, como se incentivar uma criança a tentar jogar futebol fosse, de alguma forma, comprometer seu desenvolvimento emocional.
Foto de Henri Cartier-Bresson, 1933.
Acredito que criar filhos — e criar bem — seja muito importante. É justo considerar cuidadosamente as necessidades das crianças. Mas, levada ao extremo, a abordagem intensiva pode fechar portas para o apoio da comunidade. Se a agenda semanal do seu filho estiver lotada de atividades, será muito mais difícil para você e para os potenciais moradores do «vilarejo» encontrarem tempo para se ajudarem. (Essa foi, sem dúvida, uma das razões pelas quais era tão fácil coordenar a troca de crianças durante a pandemia — não estávamos correndo para fazer outras coisas.) E, em um sentido mais profundo, exagerar a importância das decisões parentais pressupõe um nível de controle sobre o ambiente de uma criança que é incompatível com a vida em comunidade. Se você quer contar com a sua comunidade, precisa confiar na que você tem à disposição. E não pode esperar exercer o mesmo controle que teria em um acordo de cuidados pago. Quando contrato uma babá, combinamos que sou eu quem dá as regras e que estou pagando para que ela venha à minha casa e replique o meu sistema educativo. Mas não é assim que funciona a reciprocidade de «vilarejo».
Um acordo de «vilarejo» também é, de certa forma, uma troca; nossa troca de crianças certamente envolve um tipo de acordo. Mas a natureza desse acordo é bem diferente. Não estou contratando as famílias ao meu redor para replicarem todos os sistemas da minha casa; estou pedindo que elas acolham meus filhos em suas casas por uma noite, com o entendimento de que farei o mesmo por elas.
Permitir que cada família continue fazendo as coisas do seu jeito torna a situação muito mais tranquila. Um acordo desse tipo, além disso, está mais alinhado com o verdadeiro objetivo de construir um vilarejo: dar vida a uma rede de relações definida por um senso de comunidade. A beleza de criar os filhos em um vilarejo é que, em certo ponto, cuidar dos filhos uns dos outros deixa de ser uma série de favores isolados e passa a fazer parte do dia a dia.
Inevitavelmente, construir um vilarejo significa desenvolver confiança. Isso significa relaxar um pouco, deixar de lado tanto os julgamentos quanto a autoconsciência sobre as diferentes maneiras como as pessoas vivem e cuidam das crianças. As crianças do meu pequeno vilarejo são bastante francas sobre como nossos lares diferem. Elas não hesitam em me dizer que a minha casa é a bagunçada. E já virou uma piada recorrente o fato de que eu praticamente nunca sirvo nada além de macarrão. Meu marido e eu somos exigentes quanto a «por favor» e «obrigado» e basicamente nunca deixamos as crianças assistirem TV. Outras famílias têm suas próprias regras e rituais. Para que tudo isso funcione, eu preciso confiar de que cada casa tem seus próprios sistemas sensatos para lidar com as boas maneiras, conflitos e tempo diante das telas — e que, sejam quais forem esses sistemas, eles não vão «estragar» as minhas filhas.
É claro que eu não deixaria minhas filhas com qualquer pessoa. Confiar nas pessoas não significa nunca estabelecer limites ou nunca pedir que adaptações sejam feitas para uma criança que precise delas. Mas muitas vezes significa aceitar que outras pessoas lidarão com as necessidades do seu filho de maneiras que você não faria. Isso pode ser uma experiência angustiante. Mas também pode ser enriquecedora e reveladora. Entregar seus filhos, afrouxar o controle, pode ajudar a romper os medos que fazem você pensar que precisa controlar tudo — e pode mostrar que seus filhos vão se adaptar e prosperar em uma variedade de contextos. Um vilarejo, afinal, pode oferecer um dos maiores presentes que alguém pode dar aos pais: a tranquilidade de que o caminho para criar crianças saudáveis e equilibradas não é tão estreito quanto se imagina.
Por Stephanie H. Murray
gostei tanto desta edição <3
Que pérola preciosa de texto!!!!!!!!