Todos esses livros que acumulamos e que jamais leremos
«Acabei entendendo que isso é menos um fardo do que uma forma de riqueza»
TODO ES UNA CONSTRUCCIÓN A PARTIR DE INFLUENCIAS Y REFERENCIAS, 2022. Pintura de Pablo Ravina.
Quando eu tinha 22 anos e morava em Lille, um dia pedi à minha mãe que me enviasse uma edição em seis volumes da pantagruélico Em busca do tempo perdido. Cada tarde ou noite chuvosa passou então a ser dedicada ao projeto de vencer aquelas milhares de páginas. Para minha grande tristeza, essa empreitada permanece inacabada – na verdade, ainda não consegui ir além de À sombra das moças em flor. Mas o simples fato de ler Proust me transformou e me deu confiança em mim mesmo: tornei-me alguém que lê Proust, ou seja, um homem novo. Aliás, continuo a me considerar como alguém que, um belo dia, terá lido Proust, ou até mesmo alguém que relerá Proust (marco um encontro com vocês no próximo verão, ou talvez no seguinte!). Os bibliófilos experientes se reconhecerão facilmente nestas linhas.
Do mesmo modo que se vestir ou viajar, ler é uma atividade que, em última instância, pode estar a serviço de uma ambição. Trata-se de se reinventar, de se imaginar mais forte, mais autêntico, capaz de se elevar acima das circunstâncias e de tomar novo impulso para enfrentar o mundo. Assim, uma outra versão de nós mesmos surge em nosso íntimo: ela se parece conosco, mas é um pouco mais sofisticada, mais interessante, mais próxima de quem desejaríamos ser… E então nos esforçamos para moldar nossa vida real a esse ideal. É por esse caminho que começamos a nos assemelhar ao que o indomável poder da imaginação nos havia permitido entrever.
Neste verão, ao que tudo indica, sem me dar conta, adquiri algumas dezenas de novos livros. Uma biografia de James Baldwin com 600 páginas, outra de William F. Buckley Jr. com quase 1 000 páginas, poesia com Henri Cole e Ishion Hutchinson, ficção com Joyce Carol Oates, história da arte com volumes sobre Max Beckmann e Hieronymus Bosch, a coletânea de relatos de viagem de um amigo que se aventurou da Turquia até o México… e muitos outros títulos ainda, numerosos demais para citar todos.
Alguns eu comprei, outros me foram enviados para que eu os resenhasse na The Atlantic. Todos, sem exceção, despertaram em mim um desejo irreprimível de leitura. Mas esse desejo esbarra na realidade matemática do meu cotidiano: simplesmente não tenho tempo suficiente para ler todos esses livros. Pelo menos, não agora. É a desculpa a que me agarro à medida que minhas paredes se cobrem de estantes adicionais e minhas pilhas de livros continuam a crescer. Quando eu era mais jovem, sentia-me culpado por não conseguir ler tanto quanto gostaria. Mas, com os anos, passei a ver certa beleza, e até uma forma de nobreza, no fato de acumular ao redor de si mais escritos – mais pensamentos – do que seria possível consumir em toda uma vida.
Tarefa hercúlea
O estilista Karl Lagerfeld (1933-2019) frequentava minha livraria preferida em Paris, a Galignani, na Rue de Rivoli, e sua residência, bem próxima dali, abrigava uma biblioteca absolutamente lendária, com 250 mil títulos no momento de sua morte, em 2019. O escritor italiano Umberto Eco possuía «apenas» de 30 a 50 mil livros, mas, segundo seus cálculos, esse número já representava um volume de leitura impossível de ser alcançado em uma única vida. Ler um livro por dia durante setenta anos seguidos perfaria apenas um total de 25 mil títulos. Há um vídeo no YouTube em que acompanhamos o escritor através de sua biblioteca-labirinto – um passeio tão exaustivo quanto hipnotizante de assistir.
Há quinze anos, publiquei Losing My Cool, que em parte faz a crônica da minha infância em um subúrbio residencial de Nova Jersey, onde meu pai havia ele próprio formado uma biblioteca de pelo menos 15 mil títulos. Os livros se amontoavam pelas paredes, sobre todas as superfícies, em todos os cantos disponíveis, e até no banheiro, na cozinha, na garagem, na lavanderia e no sótão. É possível ler 15 mil livros em uma vida – e meu pai tenta (ainda e sempre, para minha alegria) bravamente alcançar essa meta –, mas a tarefa é hercúlea.
Os doze trabalhos de Hércules, painel lateral de um sarcófago da Coleção Ludovisi.
É insensato pensar que seja preciso ler todos os livros que compramos, assim como criticar aqueles que compram mais livros do que conseguirão ler, como disse Umberto Eco. Na vida, há coisas das quais é preciso sempre ter uma reserva abundante, mesmo que, no fim, só se use uma parte delas.
Ao longo das décadas, eu próprio acumulei alguns milhares de livros; eles têm tanto valor para mim que chego a me sacrificar para enviá-los além-mar sempre que preciso me mudar – mesmo aqueles que não li, mas cuja presença me conforta todas as vezes em que meu olhar recai sobre o dorso familiar. Acabei entendendo que isso é menos um fardo do que uma forma de riqueza, no sentido literal do termo.
Em O Cisne Negro, Nassim Nicholas Taleb vai mais longe ao afirmar que os livros que já lemos têm menos valor do que aqueles que ainda não abrimos: «Uma biblioteca deveria conter tantas coisas que você não sabe quanto seus meios financeiros, suas taxas de endividamento e o mercado imobiliário atualmente pressionado lhe permitirem colocar nela. Ao envelhecer, você acumulará mais conhecimento e mais obras, e o número crescente de livros não lidos que habitarão as prateleiras de sua biblioteca o olhará com ar ameaçador. De fato, quanto mais sabemos, mais se ampliam as fileiras de livros não lidos. Chamemos de ‘antibiblioteca’ esse conjunto de livros não lidos.»
Milagre temporal
A palavra «antibiblioteca» soa um tanto áspera aos meus ouvidos, mas talvez eu tenha encontrado uma opção melhor no idioma japonês: tsundoku, que significa «uma pilha de livros comprados mas ainda não lidos». O fenômeno tem uma dimensão bastante positiva, sobretudo se concordarmos com o que explica um artigo memorável do New York Times, assinado por Kevin Mims em 2018: «A biblioteca de alguém muitas vezes oferece uma representação simbólica de sua mente. Uma pessoa que deixou de ampliar sua biblioteca pessoal talvez tenha chegado a um ponto em que acredita já saber tudo o que precisa saber, e que nada do que ignora pode lhe trazer prejuízo. Ela já não tem o desejo de continuar a crescer intelectualmente. A pessoa cuja biblioteca se expande sem cessar compreende plenamente a importância de manter um espírito curioso, aberto a novas vozes e ideias.»
Eis o que me parece tão crucial – até mesmo transcendente – nessa aquisição quase perpétua de livros em formato físico erigida como modo de vida. Mesmo e talvez sobretudo na era dos livros eletrônicos e dos recursos digitais ilimitados. Jamais qualquer apelo à frugalidade ou ao pragmatismo será capaz de me convencer de que isso não vale a pena.
Os livros não são simplesmente uma forma de informação ou de comunicação entre tantas outras, num mundo em que essas duas grandes fontes de distração jorram em abundância. São, antes, uma forma extraordinária de tecnologia, capaz de realizar uma espécie de milagre temporal. O tempo em si se contrai entre autor e leitor, e anos de reflexão podem ser articulados, refinados e transmitidos num formato que se absorve em apenas algumas horas.
Meu terceiro livro, Summer of Our Discontent, acaba de ser publicado em inglês. Comecei sua redação na primavera de 2021, mas só concluí as correções no outono de 2024, passando a pente-fino ideias e frases já revistas centenas de vezes, na esperança de que alcançassem sua expressão mais pura. No entanto, não deve levar mais de oito horas para que qualquer pessoa leia minha obra. Escrever e ler são atividades essencialmente diferentes sob esse ponto de vista. Por isso me parece útil considerar os livros que nos cercam – e, em particular, todos os tesouros que ainda aguardam para ser abertos – não pelo espaço que ocupam em nossas estantes, mas pela imensa extensão de tempo que nos permitem explorar.
Tudo o que o espírito humano pode produzir de melhor e mais acabado em um século pode caber em um único metro de livros. Para mim, essa é realmente a barganha suprema.
por Thomas Chatteron Williams





Eu tenho a sensação que a cada livro posto na lista de desejos ou na pilha de espera, eu adio minha morte. Essa safada não pode me pegar antes de finalizar minha pretensiosa lista 🥹😅🥹