A moda não é moral, por Ginevra Leganza
«A moda, livre do manto da choradeira, ama o excesso desde os tempos de Schiaparelli. (...) E ama o excesso porque, bem lá no fundo, a moda é apenas um antídoto para o tédio.»
Silvio Orlando e Jude Law am cena de The Young Pope (2016) de Paolo Sorrentino © HBO, Divulgação.
Seja na vida ou na passarela, a estética precede a ética. E a moda não é moral.
Diversity, equity e inclusion não desapareceram da indústria da moda. Elas ainda são as virtudes teologais deste século. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, acontece – como aconteceu – de a beleza se reapropriar do mundo, mesmo que por apenas um segundo. E você varre para longe a teologia da bondade.
«Adeus, booty, a heroin chic está de volta», estampava o New York Post há apenas alguns meses. Adeus, ideologia, porque neste caso booty – ou «bunda grande» – é o nome de uma realidade que até ontem se chamava curvy: para não ofender ninguém. Porque talvez alguém pensasse que bastaria dizer curvy, ou robusta, ou talvez rechonchuda... Qualquer coisa para não dizer «obesa» e assim se sentir em paz com o mundo. Em mágica sintonia com as coisas. Como se dizer curvy pudesse de repente – abracadabra – fazer alguém perder peso. Assim, por encanto. Porque é nisso que consiste o corretismo linguístico: em um livro de fórmulas mágicas escrito por xamãs e patronos da moral da choradeira.
Pois bem, curvy é justamente o caso de uma choradeira que surgiu de dentro da moda – «gordo também é lindo!» – hoje varrida pela realidade nua e crua. Realidade que – neste caso – é chamada de heroin chic: a moda dos anos 80-90 das supermodelos de magreza insana, muitas vezes fotografadas com um cigarro na mão e com uma tendência para a seringa (daí a heroin).
E eis que agora, entre esqueletos e bundas grandes, as passarelas estão sendo disputadas. De um lado ainda estão as calipígias – as Ashley Graham e as Tess Holliday – peitudas e com cintas pélvicas transbordantes. De outro, o retorno dos diabinhos emaciados, klimtianos, das viciadas em drogas e fumantes. As netinhas de Gia Carangi e Kate Moss, que saíram dos contos fantásticos de Gautier. Body negativity em estado puro. Sacerdotisas de olhos hipnóticos.
Emma Spectre, jornalista da Vogue USA, lê a manchete do New York Post e tuita indignada: «Quem insiste em propor tops curtos e jeans de cintura baixíssima já se deu conta de que só posso usá-los com a minha barrigona balançante?». Indignada o mais que pode, sob a pressão da realidade, até Emma Spectre – talibã do bem – chama o curvy pelo nome: «barrigona balançante».
E aqui, querida Emma, uma pergunta: que culpa têm os estilistas se eles se apaixonam por esses estupendos esqueletinhos? Que culpa têm se ficam loucos por aquele magrelo que é tão lindo, tão doente quanto exclusivo? (A moda em si, você sabe, a despeito da inclusivity, permanece sempre exclusiva…)
Ofélia, 1851-2. Pintura de John Everett Millais.
Nem todas nós poderemos vestir tops curtos. Nem todas nós poderíamos nos vestir – digamos – com o spray Coperni que em outubro de 2022 recobria Bella Hadid, nua como uma pérola e magérrima. Um spray que imediatamente virava um vestidinho. Não poderá Emma Specter e não poderemos nós por uma razão óbvia, até trivial: porque cada uma de nós tem a silhueta que nos calha ter. Ou em alguns casos aquela que merece, ou ainda aquela conquistada em campo à força de pilates e prancha. E a questão é esta, querida Emma: cada uma tem o corpo que tem. E talvez não se possa pedir à moda que negligencie suas musas macilentas... Doentes, mas hipnóticas. Não se pode pedir para deixar o mal para lá – soberbo e maravilhoso – para satisfazer os caprichos de barrigas moles ou dos pneuzinhos.
A moda, livre do manto da choradeira, ama o excesso desde os tempos de Schiaparelli. Em suma, desde quando as palavras mágicas não eram diversity e inclusion, mas «Picasso» e «Dalí»: consultores assíduos da estilista italiana. E ama o excesso porque, bem lá no fundo, a moda é apenas um antídoto para o tédio. É tudo uma forma de não morrer, ou melhor, de ir ao encontro da morte. Que com um bom vestido quase fica bela (como no caso da Ofélia de Millais, ancestral de Kate Moss).
Moda e morte – disse Leopardi – são irmãs. E, portanto, também moda e doença: moda, vício e voluptuosidade. Se bem que a partir de certo ponto fingimos não nos conhecer. E os estilistas se misturaram aos pedagogos.
Aqui as magras-vampiras não têm nada a ver, mas pensem ainda na polvorosa assinada por Balenciaga com a campanha do fotógrafo Gabriele Galimberti. Era novembro do ano passado (2022). As fotos mostravam crianças com bolsinhas feitas de ursos de pelúcia. Os olhos dos bichinhos eram pretos e seu corpo amarrado em um top de tramas largas e acabamento em couro: um teddy bear meio sadomasoquista. Então os talibãs do bem se insurgiram para proteger as crianças, envolvidas no odor da pedofilia. Demna, o diretor criativo da Balenciaga, teve seu prêmio Global Voices 2022 revogado pelo The Business of Fashion.
E aqui, sem evocar a fotógrafa Irina Ionesco e o uso implacável de sua filha pubescente, pense no que seria feito hoje – e com esse clima – dos «anjos» de Balthus. Ou dos anjinhos renascentistas italianos. Ou dos querubins com o pintinho de fora, de um Agnolo Bronzino, por exemplo... Crianças e pintinhos todos tarjados para não violar a moral. Quando, ao contrário, a moda, como qualquer forma de arte, é exatamente uma desventura da virtude. Uma predileção estética, a despeito da ética, que fala a quem quer. E que deve determinar o mercado em vez de ser determinado.
Quando a moda, em nome da inclusão, deixa de ser exclusiva, é possível dizer que ela se desvirtua. E paradoxalmente acaba incluindo tudo e excluindo o belo, apagando o fascínio doentio das Ofélias ou a candura das crianças.
Hoje, pretende-se que a moda seja moral. Que se preocupe com bundas grandes que combinam com grandes e gordos complexos, com barriga em balangandã e balangandãs mentais. Mas se a arte emana da natureza, a moda emana da arte. E sabemos que a arte caminha por conta própria e não raro se utiliza daquilo que é imoral. Assim como imoral, perverso, quase demoníaco, é um corpo magro ou um rosto cândido. Quer isso nos agrade ou não.
por Ginevra Leganza